Seguidores

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Patagônia - Argentina e Chile

                      O projeto para esta viagem, atravessando a Patagônia foi iniciado em junho de 2004, logo após o término da viagem de Brasília para Capão da Canoa no Rio Grande do Sul. Foram três anos e meio de trabalho, buscando informações na internet, em livros, obtenção de mapas rodoviários da Argentina, Chile e a região da Patagônia especificamente; formulação de um roteiro bem detalhado sobre os locais de pouso em hotéis ou pousadas e os locais onde seriam usados para realizar os acampamentos; Ao longo deste tempo fui comprando aos poucos, diversos equipamentos para a viagem, como roupas para clima frio, barraca própria para neve e diversos ítens que seriam utilizados nesta travessia.
                      Meu irmão Emerson foi meu companheiro nesta aventura, mas entrou para o Projeto Patagônia somente em novembro de 2007, um ano antes do início da viagem.
                      Em 22 de novembro de 2008 embarcamos em Brasília com destino à cidade de Buenos Aires na Argentina em um vôo da TAM. No dia 24 embarcamos em um avião da Aerolíneas Argentinas para a cidade de Comodoro Rivadavia, 1800 Km ao sul de Buenos Aires. Partimos de Comodoro Rivadavia no dia 25, iniciando a tão sonhada e grandiosa pedalada de nossas vidas: chegar à cidade de Ushuaia no extremo sul do Continente Americano...
                      Leia abaixo a transcrição completa do Diário de Bordo desta grande viagem e ao final veja algumas fotos. 

DIÁRIO DE BORDO
 
Buenos Aires - Argentina, 22 de novembro de 2008 

                   Estou morto de cansado, são 22:30h e está difícil até para escrever estas poucas linhas para o Diário de Bordo do 1° dia de viagem...
                   Saímos de Brasília às 10:30h com um tempo bem nublado e frio; toda a família foi se despedir, até a tia “Tuta” esteve lá... O vôo foi tranqüilo, apenas uma leve turbulência na chegada em Buenos Aires, aliás a cidade vista de cima impressiona pelo tamanho, às margens do Rio da Prata, majestoso, imponente em sua grandeza, torna a cidade algo que eu poderia descrever como maravilhosa...
                   Depois de hospedados, eu e meu irmão, fomos conhecer alguns pontos turísticos da cidade, é fantástica a arquitetura, bela, com fortíssimos traços europeus. Uma coisa curiosa é que nas ruas de Buenos Aires praticamente não se vê pessoas negras. Às 21:30h ainda estava claro, o ritmo de vida por aqui é bem diferente. Estes primeiros dias serão de adaptação. Amanhã passaremos o dia todo aqui, o nosso vôo para Comodoro Rivadavia só sai às 22:20h, já fizemos pela internet o nosso “web check-in”. As bicicletas aparentemente chegaram em perfeito estado, só saberemos com certeza quando chegarmos em Comodoro quando prosseguirei escrevendo neste diário. 

Comodoro Rivadavia - Argentina, 24 de novembro de 2008 

                   Nossa viagem de Buenos Aires para Comodoro Rivadavia foi em um avião da Aerolíneas Argentinas, super apertado e tivemos uma forte turbulência antes do pouso, confesso que fiquei um pouco nervoso...
                   No aeroporto de Comodoro não havia taxis, o estacionamento estava completamente deserto, tivemos que ficar esperando até que chegasse um carro. Por aqui existe um serviço alternativo de transporte, chamado de “remises” e foi em um carro pequeno, dirigido por um senhor já de idade, que conseguimos colocar toda a nossa bagagem e enquanto percorremos o trajeto do aeroporto para a cidade de Comodoro, o motorista nos indicou um hotel bem no centro e assim nos hospedamos no “Hotel Comodoro”. Em função dos horários dos vôos, teremos que iniciar a pedalada somente no dia 25, ou seja com um dia de atraso no roteiro, pois precisamos de pelo menos um dia inteiro em Comodoro Rivadavia para a montagem das bikes, arrumação da bagagem, últimos ajustes em todo o equipamento e a compra de suprimentos para os primeiros dias e também para descansar um pouco da viagem até aqui.
                   Com relação à minha bicicleta, tive um problema, a gancheira entortou no transporte, mas graças à Deus e a uma boa dica do meu amigo Diego da “Eco Pedal”, eu trouxe uma de reserva, substituí e tudo ficou bem...
                   Falei com a Jane hoje na hora do almoço, foi bom escutar a voz da minha esposa, já estou com saudades...
                   Hoje, 24 de novembro, montamos as bicicletas pela manhã e depois do almoço fomos conhecer a cidade; caminhamos pelas ruas e batemos algumas fotos, entramos na igreja e tomamos um chimarrão no final da tarde olhando para o Oceano Atlântico; a cidade é bem movimentada com muitas lojas grandes, supermercados, etc.
                   Agora já são 23:30h, preciso descansar, pois amanhã depois do café, começaremos a travessia da Patagônia. Que Deus nos abençoe. 

Caleta Olívia - Argentina, 25 de novembro de 2008 

                   Já é tarde da noite em Caleta Olívia, estou escrevendo estas linhas no banheiro do hotel onde estamos hospedados, pois meu irmão está muito cansado e já está dormindo... O tempo aqui está com uma temperatura de 19°C lá fora; o hotel é bem aconchegante e amanhã faremos nosso primeiro acampamento às margens do Rio Deseado. O primeiro dia de viagem foi bem difícil, tivemos um forte vento contra nos primeiros 35 Km e parece que com a bicicleta carregada, o vento nos segura mais ainda. Houve momentos em que eu tive que pedalar nas descidas pois se não pedalasse pararia...
                   Tivemos o Oceano Atlântico como companheiro quase que o dia todo, pois às vezes a Ruta Nacional 3 afastava-se um pouco dele. Tiramos algumas fotos, inclusive de um bando de guanacos que pastava ao longe. A estepe patagônica impressiona pela sua simplicidade e grandiosidade. Sei que ainda não vi quase nada, pois este foi apenas o primeiro dia de viagem, mas fiquei impressionado com este lugar e sua beleza simples, quase um deserto, mas ao mesmo tempo, repleto de formas de vida.
                   Tive um contratempo na saída de Comodoro Rivadavia hoje pela manhã,  minha câmara de ar dianteira estourou quando fui verificar a calibragem dos pneus, o calibrador maluco injetou mais de 85 libras no meu pneu causando uma explosão fantástica... Por sorte não aconteceu nada com o pneu. Perdi uns 30 minutos para trocá-la.
                   Na chegada à Caleta Olívia, encontramos o Franco, um rapaz morador da cidade, que nos acompanhou por uns 15 Km. Foi muito legal e nos indicou um hotel. Depois que eu já estava hospedado, falei rapidamente com minha esposa, para dar notícias. 

Rio Deseado - Argentina, 26 de novembro de 2008 

                   Estou escrevendo estas linhas dentro da minha barraca, acampado às margens do Rio Deseado. Fiquei pensando neste momento em minha família que está tão distante neste momento, na minha Jane que amo tanto, que faz minha vida ser tão especial, nos meus filhos pelos quais sou apaixonado, embora muitas vezes deixe de demonstrar como deveria e na minha cachorrinha Anita que também estimo demais.
                   Saímos de Caleta Olívia às 09:30h com um tempo bom mas com bastante vento. Pedalamos muito tempo ainda tendo o Oceano Atlântico como vista e gradualmente fomos nos afastando dele, só tornaremos a vê-lo em Puerto San Julián. Pegamos muitas subidas por uns 15 ou 20 quilômetros, depois o relevo tornou-se completamente plano e o vento estava à nosso favor, resolvi então fazer uma experiência: parei de pedalar e deixei o vento me empurrar e fui impulsionado para frente à uma velocidade de até 15 Km/h !!
                   Chegamos cedo em Fitz Roy, eram 15:30h. Fizemos um lanche, compramos mais alguns suprimentos e o meu irmão conseguiu ligar para minha mãe para dar notícias...
                   Montamos acampamento ainda com sol, depois preparamos um chimarrão e jantamos um miojo com camarão e pão sovado. O Rio Deseado é bem tranqüilo e nesta época do ano está bem raso. Amanhã sairemos cedo, nosso objetivo será chegar em uma localidade chamada Três Cerros.
                   Obrigado Senhor Deus por mais este dia. 

Três Cerros - Argentina, 27 de novembro de 2008 

                   Desmontamos acampamento bem cedo, depois de tomarmos um rápido café e saímos da área do Rio Deseado às 08:00h.
                   Enfrentamos um vento fora do comum que eu jamais havia visto na minha vida, um vento meio lateral e ao mesmo tempo à favor que nos impulsionou à velocidades acima dos 20 Km/h, eu sentia o guidão da bike puxar minha mão para frente. Percorri mais de 10Km, subindo e descendo morros, sem dar uma única pedalada!!!
                   Vi hoje alguns guanacos, ovelhas, emas, patos, uma espécie de cisne, pois existem alguns lagos pelo caminho e várias lebres mortas na beira da estrada. Notei uma coisa interessante: na estepe parece que os animais que morrem não entram em estado de decomposição imediatamente, parece que eles se descecam como múmias em um primeiro estágio, levando mais tempo para que se transformem em esqueletos e as ossadas que pude observar são extremamente brancas, parecem calcinadas...
                   Antes de se chegar à Tres Cerros, à quilômetros de distância, avista-se três morros que contrastam com o terreno plano da estepe e é impressionante pois pedalamos por muito tempo até chegarmos ao local, mesmo já avistando ao longe as três ondulações no horizonte. Chegamos às 15:45h, com um vento muito forte. Este lugar chamado de Três Cerros, que é conhecido por aqui como um “Posto de Serviços”, é composto por um posto policial, um posto de gasolina, uma borracharia, uma lanchonete e um pequeno hotel; em volta não existe absolutamente nada, nem uma casa, apenas a estepe desértica...
                   Depois de hospedados, deixei o meu irmão dormindo no quarto e fui dar uma volta pelo lugar. Encontrei um guanaco na parte de trás do hotel, preso em uma área cercada; filmei o bicho um pouco e acho que cheguei muito perto pois ele acabou me atacando, minha sorte é que havia uma cerca entre nós...
                   Encontrei também um gaúcho que estava viajando com sua esposa em um “motor-home”, uma casa ambulante, eles estavam vindo de Ushuaia já em direção ao Brasil e iriam dormir por aqui esta noite, depois de conversar um pouco com alguém da minha terra e de explorar o lugar fui para a lanchonete escrever meu diário. Enquanto fazia um pequeno lanche, pude observar a estepe lá fora, tranqüila, impassível, quieta com o vento cortando seus horizontes... Mais tarde vou tentar ligar para a “Janinha”, pois agora ela ainda está na escola. 

Puerto San Julián - Argentina, 28 de novembro de 2008 

                   Saímos de Três Cerros às 08:00h, já com um vento contra que nos acompanharia o dia inteiro... O vento estava tão forte e intenso, que calculei que estivesse com rajadas entre 50 e 60 Km/h, ele literalmente nos jogava para os lados!! Vimos hoje um bando de guanacos atravessando a estrada e pulando a cerca de uma estância e foi neste momento que dei graças ao meu Deus por ter segurado aquele guanaco dentro daquele cercado em Três Cerros.
                   Hoje fomos vencidos pelo vento e pelo cansaço; às 14:30h, ainda tínhamos 80 Km para percorrer, estávamos andando 10 Km à cada hora e neste ritmo iríamos chegar em Puerto San Julián à noite, então eu e meu irmão decidimos tentar pegar uma carona. Logo que paramos, encostou uma caminhonete dirigida por um rapaz chamado Jorge, um funcionário de uma empresa de pesca da Espanha que presta serviços aqui na Argentina. Colocamos as bicicletas na carroceria da “S-10” e eu fui atrás segurando; depois de um tempo o Jorge parou o carro e troquei de lugar com o meu irmão.
                   Puerto San Julián é a cidade mais antiga de toda a Argentina, com fortes traços da arquitetura européia, fundada em 1512 o que a torna uma cidade muito especial. Ficamos hospedados na “Hosteria La Casa de Ketty”, bem próxima ao centro da cidade, onde no café da manhã cada hóspede “se vira”, ou seja, providencia sozinho sua alimentação, como se estivesse em sua própria casa, pega o que quiser na geladeira, usa o microondas, muito bacana este sistema.
                   Nosso objetivo amanhã é chegar em Comandante Luís Piedra Buena.
                   Obrigado Senhor Deus por mais este dia. 

Comandante Luís Piedra Buena - Argentina,
29 de novembro de 2008 

                    Partimos de Puerto San Julián às 07: 45h.
                   O dia de hoje foi bem difícil, pois percorremos 131 Km. Não tivemos vento forte e o sol brilhou o dia todo. O relevo se mantém plano com algumas subidas suaves. Uns 30 Km após Puerto San Julián passamos pelo “Gran Bajo de San Julián”, uma depressão natural cujo ponto mais profundo fica à 105 metros abaixo do nível do mar!! É um sítio arqueológico aonde já foram encontrados diversas espécies de fósseis de animais pré-históricos. Paramos entre dois morros de onde pudemos avistar a imensa depressão, foi um momento bem especial... O vento que passava por entre aqueles dois montes era algo impressionante.
                   Quando avistamos a cidade de Comandante Luís Piedra Buena, eram quase 16 horas; a cidade fica no estuário do Rio Santa Cruz, não tem prédios apenas casas, mas é possuidora de uma beleza natural o que a torna muito aconchegante e muito bonita também.
                   Não sabemos bem ao certo aonde iremos pernoitar amanhã, mas é isto o que torna esta travessia da Patagônia algo muito especial, “o inesperado”. As últimas informações que pude obter sobre o “Hotel Lemarchand”, que fica à 105 Km daqui é que ele estava desativado ou que simplesmente não existia...
                   Pensando nisto, nos precavemos e nos preparamos para mais um acampamento, repondo nossos suprimentos, em um supermercado aqui em “Piedrabuena”.
                   Consegui falar com minha esposa e mandei notícias de como estamos... a saudade aumenta a cada dia...
                   Estou cochilando enquanto escrevo, preciso dormir... 

Hotel Lemarchand - Argentina, 30 de novembro de 2008 

                   Foi um dia bem difícil da viagem, pegamos subidas bem íngremes ao sair da cidade de Comandante Luís Piedra Buena. O vento hoje estava tranqüilo e a temperatura se manteve em torno dos 20°C. Cada dia que passamos nesta estepe, eu e meu irmão, pedalando neste pedaço do mundo onde parece que o tempo perde a importância e o sentido, onde a paisagem é constantemente desolada, percebo que Deus tocou com seu dedo suavemente neste lugar, pois aqui a beleza está nos pequenos detalhes, nas mínimas coisas, é como se a estepe patagônica esteja se revelando aos poucos, à cada dia, nos mostrando suas belezas, mistérios e encantos...
                   À cada dia que passa, também cresce a saudade da minha família, minha esposa que amo tanto, meus adorados filhos e minha cachorrinha preta... Não poderia deixar de escrever neste momento que também estou com muitas saudades de minha mãe e minha irmã, afinal de contas tudo o que é registrado neste “Dário de Bordo” é a expressão real dos meus sentimentos dia a dia.
                   Chegamos no “Hotel Lemarchand” às 17:40h. Depois de já estar hospedado, fui procurar informações sobre o lugar e descobri que foi fundado no ano de 1950, foi desativado em 1998, ficando fechado por cinco anos, voltando a funcionar em 2003; neste meio tempo, houve uma mudança de um lugar para outro, pois a estrada passava alguns quilômetros mais ao leste. Por isso quando o Fábio Zander passou por aqui no princípio do inverno de 2001, não encontrou nada. Foi maravilhoso constatar que o hotel está funcionando, pois é como se fosse um oásis no meio do deserto; é impressionante a estrutura que o hotel possui. Com um poderoso gerador de energia, aqui temos todo o conforto, como banho quente, banheiras nos quartos,  luz, excelentes acomodações, ótimo restaurante, com carta de vinhos e uma cozinha de fazer inveja à qualquer bom hotel. Isolado no meio da estepe patagônica, o “Hotel Lemarchand”, cujo dono é um francês, é realmente um ponto de apoio importantíssimo para quem está descendo rumo ao sul do continente. Conheci neste lugar uma pessoa maravilhosa, super simpática, uma senhora que infelizmente não me lembro o nome, que nos recebeu muito bem, querendo saber detalhes de nossa viagem.
                   Ao final do dia, consegui fazer umas fotos espetaculares do por do sol. Amanhã tentaremos chegar em Rio Gallegos.
                   Obrigado Senhor Deus por mais este dia em que estiveste conosco nos protegendo e abençoando. 

Rio Gallegos - Argentina, 01° de dezembro de 2008 

                   Depois de tomarmos o café da manhã, me despedi da simpática senhora e ela nos desejou uma ótima viagem, dizendo que iria orar por nós... É por causa de pessoas como ela que tenho certeza a cada dia que passa que Deus está conosco, colocando anjos em nosso caminho, pessoas que com uma simples palavra amiga, nos confortam e nos dão ânimo e forças para continuarmos. Saimos de “Lemarchand” às 08:15h, com um vento fraco vindo pela lateral, mas logo em seguida ele virou e ficou contra a nossa direção e aumentou em força nos mostrando que por aqui é “ele” (o vento) o senhor da situação.
                   Meu olho direito estava ardendo muito pois o vento estava entrando pela lateral do óculos de sol, resolvi então parar para trocar pelo óculos branco que é mais fechado; deitei a bicicleta no acostamento com dificuldade pois as rajadas do vento patagônico dificultavam meus movimentos, abri o zíper do alforge e tirei o estojo do óculos branco que foi arrancado de minha mão e saiu arrastando-se pelo meio da estrada indo parar em uma moita do outro lado da Ruta 3!!! Que força fantástica!! Eu nunca vou esquecer este episódio... Atravessei a estrada e pequei o estojo retornando com o corpo inclinado, lutando contra um vento impiedoso, pois era completamente impossível andar normalmente.
                   Estamos enfrentado forças da natureza em sua forma mais selvagem. Hoje, em conseqüência dos fortes ventos, das longas subidas, das dores nos joelhos, das dores e “fisgadas” atrás do pescoço, das feridas causadas pelo selim, do esgotamento físico, das dores nos pulsos, dos olhos ardendo, meu irmão tomou a decisão de parar e pegar uma carona, eu por mim teria continuado mais um pouco e procurado algum local para montar acampamento, afinal vim aqui preparado para isto, mas não posso tomar uma decisão sozinho, tem que haver consenso... Em uma viagem de bicicleta em que participam duas ou mais pessoas, tem que haver concordância em todos os aspectos, pois a decisão afeta diretamente à todos. Já em uma viagem em que o cicloturista viaja só, ele pode tomar sua decisão à qualquer momento sem ter que discutir ou procurar saber se alguém mais está de acordo, pois ele está sozinho...
                   Quando chegamos no quilômetro 85, paramos e depois de termos discutido sobre pegar uma carona, continuar, acampar... pegamos a tal da carona... Fiquei contrariado, pois não vim para a Patagônia para ficar andando de carro, vim aqui para pedalar e eu sabia que seria difícil, tanto que dei o nome da pedalada de DESAFIO DEL FUEGO, pois ela está sendo realmente um grande desafio. Pegamos uma carona em uma caminhonete de um senhor que não me lembro mais o nome... Continuaremos a pedalada no dia 05 de dezembro, 6ª feira.
                   Assim que chegamos em Rio Gallegos e nos hospedamos em um hotel, a Jane ligou e falei com ela rapidamente e ela me disse que me ama... Foi muito gostoso ouvir isto da minha esposa, pois eu sou apaixonado por ela também. 

El Calafate - Argentina, 03 e 04 de dezembro de 2008 

                   El Calafate é uma cidade completamente turística; às margens do Lago Argentino, o maior do país, encanta por sua beleza aconchegante.
                   Ontem, dia 02 de dezembro, compramos passagens para El Calafate para  conhecermos o Glaciar Perito Moreno. Quando chegamos na cidade, já não havia mais tempo para se pegar um passeio para o Glaciar, tivemos então que dormir na cidade para fazer o passeio no outro dia; alteramos o horário da passagem de retorno para Rio Gallegos e fretamos um táxi que nos levou até o “Parque Nacional Los Glaciares”.
                   O Glaciar é algo impressionante pela sua grandeza e majestosidade. É uma muralha de gelo de 30 metros de altura, com cinco quilômetros de largura e 15 quilômetros de extensão. Foi a primeira vez que vi de perto o gelo e posso dizer que fiquei impressionado; Perito Moreno é uma geleira “viva”, se desloca dois metros por dia, estalando e quebrando-se lançando na água enormes blocos de gelo que quando caem fazem um estrondo gigantesco que ecoa nas montanhas que o circundam...
                   Pegamos o ônibus para Rio Gallegos no final da tarde e chegamos já à noite na cidade, tratei de dormir logo pois amanhã prosseguimos viagem. 

Fronteira da Argentina com o Chile, 05 de dezembro de 2008 

                   Estou confortavelmente instalado dentro da minha barraca ainda do lado Argentino, a uns 200 metros da “aduana” ou Posto de Fronteira com o Chile. Dentro de minha barraca faz uma temperatura de 19.5°C, extremamente agradável. Eu e meu irmão já jantamos, hoje o cardápio foi macarronada com molho de carne e legumes e de sobremesa uma barra de chocolate meio amargo. Estamos acampados bem do lado da estrada, à mais ou menos uns vinte metros, ao lado de um barranco que será nosso escudo contra o vento nesta noite.
                   O dia foi muito cansativo com um vento contra fortíssimo desde a saída de Rio Gallegos, não conseguimos nem curtir muito as paisagens e o dia de viagem, na verdade foi um dia bem sofrido... Tivemos que lutar contra o vento o dia inteiro, a bicicleta é literalmente jogada de um lado para outro, parece até que ela tem vida própria.
                   Pouco antes de chegarmos na fronteira, encontramos um japonês de uns cinqüenta e poucos anos, que também estava viajando de bicicleta, não lembro direito o nome dele... Ele saiu de Ushuaia, vai atravessar toda a América do Sul, América Central e América do Norte, chegando no Alaska!!! Foi o que podemos entender, pois ele não falava outra língua a não ser japonês. Fiquei impressionado. Tiramos fotos com ele.
                   Amanhã acordaremos cedo, pois a burocracia para cruzar a fronteira é bem grande... Obrigado Deus por tudo. Hoje vou ficar sem falar com minha esposa amada, meus filhos e minha mãe, vamos ver se amanhã dá para mandar notícias... 

Estreito de Magalhães - Chile, 06 de dezembro de 2008 

                   O dia de hoje também não foi nada fácil, tivemos vento contra o dia todo, nos impossibilitando de continuar pedalando; hoje fui eu que comecei a pensar em uma carona, pois não estávamos mais conseguindo pedalar e nem empurrar as bicicletas; depois de parados às margens da Ruta 3 por uns trinta minutos, parou um Fiat Fiorino, com um casal e um senhor que estava na parte traseira; enfiamos as duas bicicletas lá dentro e fomos amontoados na traseira deste carro por mais ou menos uns 25 quilômetros, até o acesso para o Estreito de Magalhães, agradecemos muito a carona e continuamos, só que desta vez com o vento à nosso favor, pois no acesso para o Estreito, vira-se para a esquerda e continua-se por uma estrada reta de uns 15 quilômetros. Fomos como verdadeiros barcos à vela empurrados à uma velocidade de 20 Km/h!! Maravilhosa sensação de se terminar um dia de pedalada sem ter que pedalar...
                   A hospedagem que existia às margens do Estreito de Magalhães, não funciona mais, só há no lugar um restaurante e lanchonete com boa estrutura para o turista e um Posto da Marinha chilena. Uma senhora que trabalha à muitos anos no lugar, nos indicou um local na lateral do restaurante, para armarmos as barracas onde ficaríamos protegidos contra o forte vento que corta esta região; montamos nosso acampamento à uns 20 metros da margem do Estreito de Magalhães, com uma vista espetacular, era possível avistar do outro lado do Estreito a Ilha Grande da Terra do Fogo. Logo que montamos as barracas tive que trocar de roupa rapidamente pois a temperatura começou a cair muito rápido. Agora são 22:15h, o sol acabou de se pôr e dentro da minha barraca fazem 11°C!! Lá fora do meu abrigo meu termômetro está registrando uma temperatura de 8.6°C!!! Está realmente frio. O vento não para de golpear nossas barracas, é impressionante a força que ele tem. Hoje à tarde logo que chegamos ao Estreito, fui colocar minha mão na água do mar e ela parecia água de geladeira; andar na margem do Estreito de Magalhães é uma sensação muito especial, pois pode-se observar o mar completamente revolto, com ondas inquietas, movidas por um vento gelado e nervoso, que dificulta a própria caminhada.
                   Consegui falar com a minha querida esposa amada por um breve momento; Deus proteja minha Jane que amo tanto; neste momento dentro da minha barraca, acampado às margens deste pedaço de mundo, longe de tudo, eu te peço meu Deus que torne meu casamento algo sublime, um pote de bênçãos, encha o coração da minha amada de certezas com relação à nós dois, pois eu a amo tanto... Proteja minha família, meus filhos, minha mãe, meus tios, meus primos... Esteja comigo Pai... Obrigado por tudo. Amém. 

Cerro Sombrero - Chile, 07 de dezembro de 2008 

                   Quando o dia amanheceu, desmontamos nosso acampamento e fomos tomar nosso café da manhã no restaurante. O mar estava tão agitado que foram interrompidas as travessias de balsa por motivo de segurança; ficamos então a manhã toda à espera de que o tempo melhorasse e pude constatar por mais uma vez que aqui na Patagônia ficamos totalmente à mercê do tempo; aqui não se faz absolutamente nada se o tempo estiver ruim, é um verdadeiro teste de paciência... Enquanto esperávamos, chegaram um casal de suecos que também estavam viajando de bicicletas até Ushuaia; tentamos nos comunicar com eles arriscando um inglês “mais ou menos”...
                   Só para registro: ontem de madrugada, após eu ter realizado minhas anotações neste diário, acampado às margens do Estreito de Magalhães, por volta de uma hora da madrugada, o meu termômetro estava registrando 5.7°C dentro da minha barraca!! Foi a temperatura mais baixa que pegamos até agora...
                   Só conseguimos embarcar na balsa para fazer a travessia do Estreito às 14:30h. A balsa é muito grande, suas paredes laterais tem quatro metros de altura a fim de barrar as fortes ondas deste mar revolto. Nela são transportados todos os tipos de veículos como caminhões, ônibus, trailers, carros, motos e bicicletas... Após quinze minutos dentro da balsa, que balançava como um barquinho de papel no meio de uma tempestade, chegamos na outra margem; eu estava pisando pela primeira vez na minha vida, na Ilha Grande da Terra do Fogo, a 27ª maior ilha do mundo.
                   Pedalamos 46 Km com bastante vento. A paisagem dentro da Ilha é igual à do Continente, uma estepe árida só que não tão plana, com algumas elevações suaves. O vento não nos atrapalhou muito e conseguimos chegar em Cerro Sombrero com o sol brilhando forte, bem alto. A cidade de Cerro Sombrero é pequena, serve como base de moradia para o pessoal de uma grande companhia petrolífera local, parece uma cidade fantasma, não se vê ninguém nas ruas; logo na entrada existe uma pousada muito aconchegante e bem estruturada na qual ficamos por uma noite para recuperar as forças. Fomos a um mercado comprar alguns suprimentos para os dias que viriam, pois nosso estoque já estava baixo.
                   Consegui falar com a Jane e a mãe pelo celular, pois aqui não existe “locutório”. Obrigado Senhor por mais este dia. 

Estância San Jerônimo – Chile, 08 de dezembro de 2008 

                   Saímos de Cerro Sombrero às 10:45h, depois de termos tomado um ótimo café da manhã. Logo que saímos da cidade, após 6 Km, entramos na estrada de cascalho, que por aqui chamam de “rípio”. No princípio da pedalada de hoje, tivemos um rendimento muito bom, pois o vento estava à nosso favor e o relevo bem plano.
                   Neste trecho de estrada de chão que estamos percorrendo, existem refúgios que são pequenas casinhas, onde dentro  existe um beliche sem colchões, um aquecedor e uma pequena mesa; são utilizados por viajantes que se protegem deste tempo inóspito que assola esta estepe. São mantidos em parceria pelos donos das estâncias e pelo governo chileno. Nas paredes internas dos refúgios existem mensagens que os viajantes escrevem em diversas línguas, agradecendo à Deus por estarem ali naquele lugar, e uma série de outras coisas...
                   Antes de Cullen encaramos algumas subidas bem longas e cansativas e quando chegamos na vila, onde estava previsto fazermos nossa parada de hoje, eu e meu irmão tivemos uma decepção: Cullen é uma grande refinaria de gás natural e é proibido entrar, apenas o pessoal autorizado que trabalha por ali tem permissão. Existem algumas casas e grandes canos para todo lado, com reservatórios, etc. Sem dúvida é um lugar muito esquisito... Tivemos que continuar pedalando, e à partir de Cullen, nosso pouso tornou-se algo incerto, pois não sabíamos exatamente aonde iríamos passar a noite...
                   Alguns quilômetros depois chegamos na entrada da “Estância San Jerônimo”, exatamente no momento em que o dono, um senhor já de idade, com sua esposa também de cabelos brancos, estavam saindo em uma caminhonete; perguntei se poderíamos passar a noite por ali, mas ele me disse que não, mas que um pouco mais à frente, a uns trezentos metros tinha uma casa com um senhor que poderia nos oferecer alojamento. Conversamos então com o senhor Adolfo, o capataz da estância e explicamos que estávamos viajando de bicicleta e que precisávamos de um lugar para dormir e ele nos indicou umas casas um pouco mais à frente que são usadas pelo pessoal que faz a tosquia das ovelhas; o lugar estava completamente vazio, eu e meu irmão ficamos alojados na casa maior. Nosso lar por uma noite, possui duas camas com colchão, “fogão de chapa”, como se fosse à lenha mas na verdade funciona à gás, tem uma cozinha, banheiro e dois cômodos usados como dispensa e uma varanda  na parte da frente.
                   Pela janela dos fundos, no final da tarde, podíamos ver os guanacos pastando enquanto tomávamos nosso chimarrão... Enfim, além de ficarmos bem protegidos da noite fria lá fora, com aquecimento, o senhor Adolfo não nos cobrou nada pelo pouso... Hoje, como estou em um lugar sem cobertura de celular, não poderei falar com ninguém, nem com minha Jane, nem com minha mãe. Obrigado Senhor Deus por estar nos protegendo e abençoando à todo instante, por colocar tantas pessoas maravilhosas em nosso caminho, que tem nos ajudado muito... 

San Sebastián (Fronteira do Chile com a Argentina) 
09 de dezembro de 2008 

                   Deixamos a Estância San Jerônimo às 07:45h, sem nos despedirmos do senhor Adolfo, acho que ele ainda estava dormindo... Pegamos a estrada com boas lembranças de um lugar em que ficamos bem protegidos.
                   Logo no começo da manhã começamos a pegar subidas bem íngrimes com ventos contra no nosso segundo dia de pedalada no rípio. Foi bem difícil o dia de hoje, mas em todos os momentos em que penso em parar, no meio de uma subida, com o cansaço me dominando, o vento me freando, o desconforto da posição em cima da bicicleta, penso que sou um ser privilegiado pelo simples fato de poder olhar para o lado e vislumbrar paisagens tão serenas, belas, que só me fazem pensar que Deus é grande em poder, por ter criado um lugar tão especial, tão mágico, onde podemos voar como os condores mesmo sem sair de cima das bikes... Acho que me torno por um breve instante um poeta, pois a Patagônia transforma, eleva o viajante um degrau acima, fazendo de pequenos detalhes algo impressionantemente grande...
                   Tenho cantado todos os dias o Salmo 23 e isto tem me trazido conforto e muita força, tenho me apegado muito nestes dias de viagem, ao meu Deus querido e aos propósitos que Ele tem para minha vida... Tenho sentido muita falta da Jane, uma mulher maravilhosa que tem me dado tanto amor, que tem sido uma esposa tão perfeita durante estes anos todos e que por muitas vezes eu não tenha correspondido ou reconhecido este amor como deveria...
                   Deus, me ajude à recuperar este sentimento tão bonito que existe entre eu e ela...
                   Ao chegarmos na pequena San Sebastián, já no lado Argentino, fomos procurar hospedagem na única hosteria do lugar, mas  ela estava cheia de velhinhos e velhinhas alemães que viajavam em uma excursão. Conseguimos então uma permissão especial de um oficial argentino para dormirmos  em uma sala de espera da “Aduana” ou Posto de Fronteira da Argentina, que tem calefação, banheiro e ducha quente.
                   No final do dia, por volta de 21:00h, com o sol ainda no céu, fui dar uma volta sozinho pela praia deserta da cidade, sensação legal de estar em uma praia deserta, o silêncio... Apenas o mar fazia algum barulho...
                   Jantamos na “hosteria dos alemães”. Amanhã nosso objetivo será chegar na cidade de Rio Grande, e a partir daqui deixamos o rípio para trás, voltaremos a pedalar no asfalto, o que faz a viagem render bem mais. Tentamos ligar para o “pessoal”, mas em San Sebastián não há sinal de telefonia celular e o único orelhão do lugar, não funciona...
                   Obrigado Deus por tudo que tens colocado em meu caminho. 

Rio Grande – Argentina, 10 de dezembro de 2008 

                   Deixamos San Sebastián na Argentina, às 08:00h com um tempo muito agradável, calor e um vento à favor que nos ajudou o dia todo. Tivemos no dia de hoje o melhor rendimento de toda a viagem até agora; ao meio dia estávamos chegando na cidade de Rio Grande, após termos pedalado por quase 82 Km.  A cidade de Rio Grande é realmente “grande”, tem um trânsito bem movimentado, alguns prédios, mas não é uma cidade turística.
                   De tão bom que estava o rendimento do dia de hoje, fizemos apenas uma parada às margens do Oceano Atlântico para descansar um pouco e fazer um lanche... Devido ao peso da minha bagagem e pela quantidade de pedras que havia na estrada de rípio, dentro do território chileno, quebraram-se dois raios da roda traseira. Um deles quebrou ontem, entre Cerro Sombrero e San Sebastián, o outro quebrou hoje quando já estávamos quase chegando na cidade de Rio Grande. Após nos hospedarmos em um hotel, no centro da cidade, tirei toda a bagagem da bicicleta e levei-a à uma loja de bike muito boa, próxima ao hotel, para arrumar os raios e fazer uma limpeza na “relação” e na corrente.
                   No final da tarde, peguei a bike; ela estava “novinha em folha”, parece até que ela estava me agradecendo por ter recebido um “trato”. O senhor que fez a revisão, me cobrou apenas dez pesos, o equivalente a uns sete reais... Levei-a para o hotel e recoloquei toda a bagagem nela novamente, deixando-a pronta para seguir viagem no dia seguinte.
                   Antes de acabar o dia, ainda liguei para minha esposa e minha mãe para informar das novidades, dar notícias e matar um pouco da saudade... Agora já são quase dez horas da noite; vou dormir um pouco, descansar o corpo e a mente para continuar amanhã...
                   Obrigado meu Deus por mais este dia maravilhoso... 

Tolhuin – Argentina, 11 de dezembro de 2008 

                   Deixamos a cidade de Rio Grande para trás às 09:00h da manhã, com um vento frio mas com um sol forte e brilhante. A estepe patagônica nos brindou com suas belezas até uns trinta quilômetros após Rio Grande, então começaram a aparecer algumas árvores isoladas aqui e ali, era um prenúncio da mudança na paisagem; logo em seguida começamos a entrar em uma área de bosques com árvores totalmente retorcidas pelo vento impiedoso, que mais pareciam bonsais japoneses...
                   No início da tarde começamos a entrar em uma região de densas florestas, com árvores altas e começamos a avistar no horizonte grandes montanhas com neve eterna em seus cumes!! É impressionante a beleza que começamos a presenciar no dia de hoje, parecem paisagens tiradas de páginas de um livro ou de um filme...
                   Nosso objetivo hoje era acampar ou pedir pouso na Estância Rio Ewan, mas quando chegamos lá, depois de 77 Km pedalados desde Rio Grande, falamos com uma senhora que estava trabalhando por ali e ela nos falou que infelizmente não poderia deixar que nós passássemos a noite na Estância pois o dono não estava e não tinha ninguém mais com quem pudéssemos falar... Ela foi muito gentil, entendemos a sua situação, agradecemos, nos despedimos e na estrada de cascalho de dois quilômetros que separam a sede da Estância da Ruta Nacional 3, fui pensando aonde iríamos passar aquela noite; ainda eram três e meia da tarde, ainda tínhamos bastante claridade do sol pela frente e decidimos continuar pedalando por mais 33 Km até Tolhuin, aonde só deveríamos chegar no dia de amanhã...
                   Logo após a Estância Rio Ewan, passaram por nós dois motociclistas que estavam viajando, eles voltaram pois viram nossas bandeiras do Brasil e a bandeira do Rio Grande do Sul que meu irmão está levando; eram dois gaúchos de Santa Maria, o Renato e o Edson que estão viajando por todo o sul do continente... Tiramos algumas fotos com eles, conversamos um pouco e depois de nos despedirmos, desejando-lhes sorte, prosseguimos percorrendo os últimos 27 Km até a cidade de Tolhuin.
                   Tolhuin é considerada o “Centro da Ilha” da Terra do Fogo; é uma vila com uns 4.000 habitantes, com asfalto apenas na área central e por um momento me lembrei de Brasilinha quando à um bom tempo atrás ainda não tinha asfalto nas ruas... Aqui em Tolhuin era para acamparmos no “Camping Hain”, às margens do imenso Lago Fagnano, mas meu irmão não quis saber da idéia...
                   Em conseqüência, ficamos hospedados em um hotel.
                   A Sheyva me ligou e consegui falar com meu filho querido, ainda não tinha conversado com ele desde o início da viagem... A Jane não estava em casa, estava em uma reunião, consegui falar com ela mais tarde...
                   Hoje ainda vi alguns guanacos, mas nesta região de bosques eles são em menor número. Estamos à uns 100 Km de Ushuaia... Eu não estou acreditando que após ultrapassar algumas montanhas cobertas de neve, poderei ver pela primeira vez na minha vida, esta cidade tão especial, este lugar tão inacessível para muitos, agora tão próxima...       
                   Senhor Deus e Pai todo poderoso, quero te agradecer por ter me protegido e me guiado, te agradecer Pai por mais este dia, por estar me guardando o tempo todo. Guarda e protege minha família meu Deus, minha esposa, meus filhos, minha mãe, todo mundo... Eu te amo meu Senhor... 

Tolhuin – Argentina, 12 de dezembro de 2008 

                   Resolvemos ficar mais um dia em Tolhuin, para descansar, conhecer a cidade, recuperar as energias pois afinal estamos adiantados no roteiro... Encontramos hoje nas ruas de Tolhuin um argentino chamado “Paco”, ele também está viajando de bicicleta até Ushuaia e conversando um pouco com ele, depois de mencionar que em Caleta Olívia encontramos um cara chamado Franco, que nos acompanhou pedalando até entrarmos em “Caleta”, para nossa surpresa, os dois se conhecem!!! Que mundo pequeno...
                   Encontramos também três norte-americanos que estavam indo para Ushuaia e meu irmão tentou se comunicar com um deles, pois é melhor no inglês do que eu, eles estavam com bicicletas que mais pareciam “Speeds”!! Usavam um sistema de placas de energia solar, adaptado ao guidão da bike, para carregar as baterias dos faróis, celulares, etc... Muito interessante...
                   Liguei para a Jane no final da tarde para falar com ela e informar da nossa decisão de ficar por aqui por mais um dia... Amanhã prosseguimos com o objetivo de chegar em Lago Escondido, um vilarejo que fica à 50 Km daqui... 

Complexo Turístico Haruwen – Argentina,
(à 36 Km de Ushuaia)
13 de dezembro de 2008 

                   Deixamos Tolhuin às 09:45h, com um tempo bem fechado e com um leve chuvisco. 3 Km após termos saído da cidade, começamos a pedalar às margens do Lago Fagnano, um imenso lago de uma beleza sem igual, com montanhas com um pouco de neve no topo e florestas à sua volta, transformando o lago numa atração turística da região. Um pouco mais adiante passou por nós um catarinense viajando de bicicleta, também indo para Ushuaia, o Ricardo. Um camarada muito legal, ele saiu de Florianópolis, iria passar uns dias em Ushuaia e prosseguir subindo pela Cordilheira dos Andes, Chile, Peru, Venezuela, etc. Encontrando viajantes como ele e como aquele japonês antes de entrarmos no Chile é que fico pensando que esta viagem de 1400 Km de Comodoro Rivadavia até Ushuaia, não parece ser tão grande assim... É um desafio pessoal, confesso, mas tem uns caras por aí que realizam viagens de bicicleta com quilometragens altíssimas!!
                   O Ricardo estava num ritmo bem mais forte do que o nosso e se mandou... apenas batemos algumas fotos e ele desapareceu na nossa frente...
                   Os primeiros 48 Km do dia de hoje foram de algumas subidas, mas nada tão forte assim... Passamos pelo vilarejo de Lago Escondido, às margens do lago que tem o mesmo nome, era minha intensão acampar aqui também, mas hoje tomei a decisão “junto” com meu irmão de continuar pois ainda estava muito cedo para parar... Prosseguimos então subindo a Serra Alvear, pertencente à Cordilheira dos Andes; foram mais de 6 Km de subidas não muito íngremes, mas constantes... De vez em quando eu olhava para o meu pneu dianteiro, o asfalto passando, ficando para trás, apenas o barulho do pneu engolindo os quilômetros, serpenteando por entre as montanhas e quanto mais alto eu subia, a paisagem ficava cada vez mais bonita, uma beleza impressionantemente suave que transmitia uma paz excepcionalmente grande; em lugares assim sente-se a presença de Deus bem pertinho da gente, em cada detalhe do caminho, até mesmo na brisa em que se respira enquanto se pedala... Em regiões montanhosas como estas, à cada 100 metros que se sobe, a temperatura cai 1 grau centígrado.
                   Quando alcançamos o ponto culminante da Ruta Nacional 3, o Paso Garibaldi, a temperatura no local era de 8.5°C, não havia vento, mas minhas mãos estavam congelando dentro das luvas de neoprene. É incrível sentir um frio destes, eu sobreponho várias camadas de roupas de frio, mas aparentemente não resolve muito, tenho que estar sempre atento quanto à isto, pois quando estamos pedalando, suamos e o suor dentro de um monte de roupas próprias para o frio, não é expelido e se torna bem gelado, úmido e desconfortável; quando se faz uma parada este suor esfria o corpo muito rapidamente, em conseqüência eu não consigo mais fazer paradas de mais de cinco minutos, me dá um desespero para continuar pedalando para que o corpo retome a sua temperatura mais aquecida, pois retirar as roupas de frio é impossível...
                   Depois do Paso Garibaldi, descemos por uns 7 Km e um pouco mais adiante chegamos em um lugar chamado “Complexo Turístico Haruwen”. Haruwen significa território no antigo idioma da tribo dos Onas ou Selknams, índios que viviam nesta região à 500 anos atrás, quando Fernão de Magalhães, navegador português à serviço da Espanha, chegou na Ilha Grande da Terra do Fogo. O Complexo Turístico é constituído de um bom restaurante, ricamente decorado com coisas bem antigas, existem carros para se andar na neve no período do inverno, um iglu feito de material sintético, uma casinha tipo chalé, daquelas com o telhado até o chão, trilhas para se andar à pé ou à cavalo e uma grande cabana do outro lado da Ruta 3. A cabana de dois andares é toda feita de madeira, com um gerador próprio; tem chuveiro quente, luz, cozinha, água quente nas torneiras e sistema de aquecimento nos quartos, no banheiro e na cozinha. Demos muita sorte pois não havia ninguém hospedado na cabana e ficamos com ela toda para nós... Eu e meu irmão fizemos um passeio pelas imediações e pudemos contemplar a beleza do lugar que possui até um rio de águas bem correntes...
                   Enquanto escrevo o relato dos fatos neste diário, estou tomando um bom vinho tinto argentino, antes do jantar, no restaurante deserto deste Complexo Turístico. Amanhã, com a graça de Deus, chegaremos em Ushuaia, a cidade que persegui por todos estes dias... Estou à apenas 36 Km da “Cidade do Fim do Mundo”...
                   Como aqui não temos sinal de celular nem tampouco telefone público e muito menos Internet, não poderei manter contato com minha família.
                   Obrigado Senhor Deus por mais este dia que nos concedeste as tuas bênçãos e a tua presença. 

Ushuaia – Argentina, 14 de dezembro de 2008 

                   Nossa casa, ou seja, nossa cabana no Complexo Turístico Haruwen, foi deixada para trás às 09:00h, depois de termos tomado o café da manhã. A pedalada de hoje foi algo como um passeio. Foram apenas 36 Km percorridos entre montanhas maravilhosas... Passamos pelo Cerro Castor que é uma estação de esqui, pelo Monte Olívia e tantas outras imponentes montanhas que compõe todo este maciço, esta muralha, que forma em torno de Ushuaia, uma espécie de barreira natural. Após passarmos por este caminho maravilhoso, com paisagens espetaculares, após uma curva avistamos o Canal de Beagle que com suas águas geladas enaltece a beleza da cidade de Ushuaia... Quando chegamos na entrada da cidade, onde existe uma enorme placa de madeira com o nome da cidade e os seguintes dizeres: “BEM VINDO À CIDADE MAIS AUSTRAL DO MUNDO”, chorei de emoção... Emoção por ter trabalhado tão duro e por tanto tempo; foram quatro anos e meio; todas as fases de planejamento, estudos, obtenção de informações das mais variadas, sobre todas as cidades, vilas, rios, campings, enfim todos os lugares por onde eu passaria, obtenção de mapas rodoviários, mapas de relevo, formulação do roteiro, compra de todos os equipamentos, roupas, barraca, confecção da camiseta do DESAFIO DEL FUEGO, nome dado ao projeto por mim, aliás o trabalho foi todo elaborado e posto em prática por mim, não tive a ajuda do meu irmão em momento algum, de ninguém; contei apenas com o grande apoio de minha esposa Jane, um apoio moral que foi fundamental para mim avançar e nunca, em momento algum ter desistido ou ao menos pensado em abandonar o projeto; tudo o que tive que enfrentar de obstáculos e dificuldades, principalmente “captação de recursos”, perseguindo com uma obstinação sem igual, uma determinação fora do comum em fazer acontecer, transformar em realidade um projeto que começou no papel e se transformou em algo grandioso, fantasticamente grandioso... Neste momento em que cheguei na entrada da cidade de Ushuaia, naquela placa de madeira, tive a certeza de que tudo pelo que trabalhei e dediquei meus esforços durante este tempo todo, valeram muito à pena...
                   Estou realizado pessoalmente em ter conquistado isto tudo. Mas há um alto preço, que todo viajante ou explorador, que se propõe à conhecer ou estudar e aprender “em campo”, ou seja, de perto determinados lugares do mundo, de bicicleta, à pé, de barco ou qualquer outra forma de deslocamento, é ter que ficar longe da família por um tempo. Mas até neste ponto, eu acredito que há crescimento, pois aprendemos à dar mais valor nas pessoas que amamos, nos momentos que passamos juntos, minha esposa amada, meus filhos queridos, minha mãe estimada... Chorei quando cheguei em Ushuaia e foi um choro bonito, uma mistura de emoções indescritíveis. Poucas vezes na nossa vida sentimos algo parecido. São momentos muito especiais que tem que ser experimentados com calma... Há muita magia em um momento como este... Temos que buscar paz e profundidade nestes raros e breves instantes...
                   Sobre a cidade de Ushuaia escreverei nos próximos dias, pois tenho que conhecê-la primeiro. Também iremos à Bahia de Lapataia, à 20 Km de Ushuaia, onde termina a Ruta 3... Enfim, cheguei ao extremo sul de todo o Continente Americano e na cidade que mais se aproxima da Antártica de todo o planeta!! Com certeza estou em um local muito especial... E cheguei aqui pedalando!!!
                   Sou eternamente agradecido à meu Deus, no qual depositei toda minha confiança, orações, pedidos e agradecimentos. Ele foi conosco em todos os momentos da nossa viagem, colocando em nosso caminho pessoas e situações que sempre nos favoreceram... Nas mínimas coisas, Deus nos mostrava a sua presença, fazendo-nos confiantes em continuar, dando-nos ânimo, força muscular, força espiritual; nos mostrava a sua presença nas paisagens à nossa volta, nos guanacos que atravessavam o nosso caminho, nas desconfiadas ovelhas que pastavam na estepe, nos condores que voavam sobre nós, na tranqüilidade de uma praia deserta, nos ventos fortes, no frio intenso em um lugar chamado Estreito de Magalhães, na sutileza e beleza de flores amarelas na estepe, nos grandes bosques e nas altas montanhas, Deus sempre esteve ali, ao nosso lado, “pedalando” junto com a gente, foi nosso companheiro sempre...
                   Obrigado meu Deus querido por tudo. 

Ushuaia – Argentina, 15 de dezembro de 2008 

                   Conhecemos hoje o Presídio da cidade de Ushuaia, construído no final do século XIX, transformado em “Museu Marítimo e Museu do Presídio”, no final do ano de 1947; o presídio abrigava mais de 1000 detentos, entre homens e mulheres, que cumpriram longas e definitivas penas em uma prisão de máxima segurança e rigorosa disciplina. Uma boa parte da história de Ushuaia está relacionada com este estabelecimento carcerário. Com o decorrer do tempo alguns dos presos serviam em trabalhos urbanos e depois da sua reabilitação muitos foram os que integraram e passaram a formar parte dos habitantes livres da cidade.
                   O “Museu Marítimo e do Presídio”, é um complexo de vários prédios, com a aparência de um forte militar; dentro de suas galerias e corredores, com um guia especializado, eu, meu irmão e vários turistas, tivemos uma verdadeira “aula” sobre a cidade de Ushuaia, sua história, o princípio de tudo, sobre a vida dos presos aqui na cidade, as primeiras casas, comércios, a primeira igreja, tudo. Conhecemos o “Farol do Fim do Mundo”, soubemos como foi construído e restaurado em 2001 e aprendemos muito sobre o Cabo Horn, que se encontra 150 Km abaixo de onde estamos, rumo ao Continente Gelado, onde Oceano Atlântico e Oceano Pacífico se unem em um mar agitado, onde as ondas chegam a ter mais de sete metros de altura, onde várias vidas já foram ceifadas...
                   Ushuaia é bem grande, no centro da cidade existem muitas lojas, igreja, restaurantes, lanchonetes, um cassino, hotéis; é bem movimentada, muito aconchegante, com um porto bem grande repleto de “containers” aguardando para serem transportados para todos os lugares do mundo; sempre há imensos transatlânticos ancorados, que literalmente “despejam” na cidade centenas de turistas de todos os cantos deste mundo; pelas ruas encontram-se pessoas de vários países, falando diversas línguas, Ushuaia parece uma grande “Torre de Babel”...
                   Amanhã faremos o passeio no “Trem do Fim do Mundo” e a pedalada até a Bahia de Lapataia que fica dentro do “Parque Nacional Tierra Del Fuego”.
                   A saudade de casa, da minha Jane e dos meus filhos, cada vez aumenta mais... Obrigado Senhor Deus por mais este dia. 

Bahia de Lapataia – Argentina, 16 de dezembro de 2008 

                   Saímos hoje de manhã do Hotel Mônaco, onde estamos hospedados em Ushuaia, na Avenida San Martin, depois do café da manhã, com destino à Bahia de Lapataia, o final da Ruta Nacional 3, estrada que percorremos desde Comodoro Rivadavia, mas que inicia na capital Buenos Aires e termina em Lapataia com 3.079 Km atravessando toda a estepe patagônica, parte do Chile e da Cordilheira dos Andes.
                   O dia amanheceu chuvoso e meu irmão contrariado, acho que ele não queria pedalar com chuva... Saiu com a “cara amarrada”. Logo que se sai da cidade, o asfalto termina e começa então uma estrada de rípio. Depois de 8 Km pedalados, chegamos na Estação Central do Trem do Fim do Mundo. Trancamos as bicicletas e 20 minutos depois o trem deixou a estação. Iniciamos então uma viagem através do tempo, voltando ao início do século passado, quando esta ferrovia foi construída pelas mãos de presidiários; podíamos ver através das janelas do vagão da Maria Fumaça, os troncos das árvores que foram cortadas por aqueles homens. Estes troncos de árvores cortadas permanecem ali como testemunhas mudas daqueles dias terrivelmente frios... A madeira extraída era utilizada para a fabricação dos “dormentes”, as madeiras que sustentam os trilhos, também era utilizada para o aquecimento e na cozinha do antigo presídio de Ushuaia. Todo o passeio no Trem do Fim do Mundo, dura 1 hora e 50 minutos. Cada vagão tem uma moça que é uma guia turística; utilizando um sistema de som, ela vai dando explicações sobre cada detalhe do caminho por onde passa o trem. A paisagem neste caminho é espetacular...
                  Quando chegamos novamente na Estação Central, pegamos nossas bicicletas e continuamos no caminho para Lapataia. Na entrada do Parque Nacional Tierra Del Fuego, encontramos novamente o Ricardo, aquele viajante solitário de Florianópolis que conhecemos na saída da cidade de Tolhuin. Pedalamos juntos por estes quilômetros finais, dentro da área do Parque, até que finalmente avistamos a grande placa de madeira indicando o final da Ruta 3. Encontramos com um pessoal de Brasília que moram no Lago Sul. Foi interessante encontrar pessoas que moram perto da gente aqui tão longe... A grande placa indica que estamos à 3.079 Km de Buenos Aires e à 17.848 km do Alaska!!! Foi mais um momento de emoção da viagem, chegar na tranqüila Bahia de Lapataia e ficar por uns momentos observando a beleza única deste lugar. Após uns 30 minutos, um breve momento em que jamais esquecerei em minha vida, com o vento gelado cortando o ar e  trazendo consigo algumas nuvens mais pesadas, decidimos voltar antes que viesse chuva, pois ainda tínhamos toda a volta de 20 Km até Ushuaia. Ao sairmos da Bahia de Lapataia o tempo mudou, abrindo um sol que nos acompanhou até a entrada da Estação do Trem do Fim do Mundo, onde aconteceu um fato inesperado: de algumas nuvens bem escuras choveu gelo!!! Não era neve e nem granizo, mas gelo!! Eu nunca tinha visto e nem sequer ouvido falar em chuva de gelo em minha vida...
                   Chegamos em Ushuaia no meio da tarde com uma chuva bem fina... Foi maravilhoso este dia e agradeço ao meu Deus por ter me proporcionado momentos tão especiais... 

Ushuaia – Argentina, 17 de dezembro de 2008 

                   Hoje fizemos turismo dentro da cidade, descobrimos um ônibus azul de dois andares que foi trazido de Londres para Ushuaia na década de 70 e que em uma hora de passeio passa pelos principais pontos turísticos da cidade. Como no trem, também possui um sistema de som que vai transmitindo as informações sobre o que vamos vendo...
                   Depois fomos ao “Museu Territorial” ou Museu do Fim do Mundo como é conhecido por aqui, aprender um pouco mais da história de Ushuaia. É possível a partir dos vestígios nele conservados, vivenciar a passagem por estas terras das primitivas culturas aborígenes; dos sacrificados missioneiros portadores da palavra de Deus e da civilização; dos esforçados colonos que contribuíram na construção dos primeiros povoados e ao seu crescimento posterior; dos buscadores de ouro que persistiram em sua tentativa até que se esgotasse a ilusão; de antropólogos, naturalistas e pesquisadores que chegaram a poder interpretar os sinais da natureza e da pré-história, nesta isolada região do planeta; de naufrágios e náufragos que se agruparam circunstancialmente no lugar e tantos outros grupos que sem sabê-lo foram protagonistas importantes da história da cidade de Ushuaia.
                   Ontem, depois de voltarmos de Lapataia, desmontei minha bicicleta e iniciei devagar à arrumar a bagagem pois na sexta-feira, dia 19 de dezembro deixaremos a Cidade do Fim do Mundo com destino à Buenos Aires, iniciaremos o retorno para casa...
                   Falei ontem com minha família, minha esposa querida e minha filhota.
                   Saudades... 

Ushuaia – Argentina, 18 de dezembro de 2008 

                   Hoje pela manhã fui conhecer o Glaciar Martial localizado em uma das montanhas que ficam atrás de Ushuaia. Eu e meu irmão pegamos um taxi do hotel até a entrada do Parque Glaciar Martial, são sete quilômetros de subidas até a entrada, onde se paga um ingresso de 20 pesos por pessoa; Pega-se então um teleférico que leva 15 minutos para chegar na plataforma superior; na época do inverno este teleférico é utilizado pelos esquiadores, pois existe no local pistas de patinação que nesta época do ano são apenas estradas que sobem a montanha... Foi a primeira vez que andei em um teleférico e posso dizer que deu um friozinho na barriga no começo, mas é muito bacana.
                   Já na plataforma superior, iniciamos uma longa caminhada sem guia, que foi ficando cada vez mais difícil, pois quanto mais avançávamos mais íngreme ficava a trilha, mas o visual é impressionante pois conseguimos avistar a cidade de Ushuaia lá embaixo e todo o Canal de Beagle com as montanhas do Chile ao fundo, fantástico!! Começamos a nos aproximar cada vez mais da neve até que pude tocá-la. Subimos até o limite da trilha bem aonde o glaciar toca a rocha da montanha. Foi mais um momento especial desta viagem...
                   Atravessar a estepe patagônica que é praticamente um deserto, poder sentir a força de ventos incrivelmente poderosos, ter conhecido o incrível Glaciar Perito Moreno, acampar às margens do Estreito de Magalhães, avistar as primeiras montanhas com neve, a chegada em Ushuaia, poder tocar no gelo encima da montanha, contemplar a tranqüila Bahia de Lapataia, andar no Trem do Fim do Mundo, ter o privilégio de conhecer Ushuaia e toda a sua beleza, dentre tantas outras coisas mais que pude observar durante a viagem, como aquela fantástica chuva de gelo!!
                   Este nosso mundo realmente é esplêndido e precisa ser protegido e cuidado por nós, admirado e respeitado, é uma obra prima de Deus para nós, um verdadeiro presente...
                   Liguei para casa hoje e consegui falar com minha mulher, conversamos por quase meia hora. Segunda-feira vou poder matar a saudade...
                   Amanhã embarcamos para Buenos Aires à tarde; deixaremos para trás este lugar mágico e fascinante que é a cidade de Ushuaia, com toda a sua história e cultura dos indígenas que aqui viveram... Que Deus nos acompanhe no nosso regresso. Volto à escrever neste diário na capital da Argentina, se Deus quiser... 

Ushuaia/Buenos Aires – Argentina, 19 de dezembro de 2008 

                   Ficamos em Ushuaia praticamente o dia todo pois nosso vôo para Buenos Aires estava marcado para às 15:35h; Depois de tomarmos nosso café tranqüilamente no Hotel Mônaco, fechamos nossa conta e após falarmos com o rapaz da recepção, conseguimos um depósito do hotel para guardarmos as nossas bagagens e as grandes malas das bicicletas até mais tarde. Saímos então para dar mais uma caminhada pelas ruas de Ushuaia; andei bem devagar, sem pressa alguma, olhando novamente os detalhes dos prédios, das casas, entrando nas lojas, matando o tempo, que aqui neste lugar parece realmente perder a importância...
                   Às 13:00h fomos almoçar em um restaurante próximo ao hotel e para nossa surpresa encontramos o Amyr Klink e sua família por ali naquele momento!! Foi incrível poder conhecê-lo; conversamos rapidamente, falei para ele da nossa viagem até Ushuaia e ele nos deu os parabéns; nunca passou pela minha cabeça que um dia o conheceria pessoalmente,  pareceu-me uma pessoa extremamente humilde. apertei sua mão, me despedindo deste brasileiro de Paraty, cidade do Rio de Janeiro, e ele nos desejou sorte no regresso...
                   E foi assim que “fechei com chave de ouro” minha estadia na Cidade do Fim do Mundo!! O nosso vôo para Buenos Aires foi tranqüilo, fizemos uma escala no aeroporto de El Calafate às margens do Lago Argentino, a cidade onde dormimos uma noite no dia 02 de dezembro, para conhecer o Glaciar Perito Moreno, na Cordilheira dos Andes, na fronteira com o Chile. Ficamos 40 minutos parados neste aeroporto, sem sair do avião que foi reabastecido e subiram à bordo vários turistas lotando a aeronave, que até aqui veio com poucas pessoas. Pouco antes de pousarmos na capital Argentina, o pôr do sol nos proporcionou um show espetacular de cores. Aterrissamos em Buenos Aires às 23:30h, hospedando-nos no Hotel Embassy All Suítes, na Avenida Córdoba. Agora estou mais perto de casa ainda; amanhã de manhã mesmo vou ligar para minha casa para falar com minha gatinha...
                   Ficaremos em Buenos Aires sábado e domingo, para que eu possa conhecer mais um pouco da cidade e na segunda-feira pegaremos o último vôo desta viagem, com destino à capital brasileira...
                   Obrigado meu Deus por ter nos trazido até aqui em segurança. 

Buenos Aires – Argentina, 20 de dezembro de 2008 

                   Depois de tomarmos o café da manhã no Hotel Embassy, eu e meu irmão saímos para cortar o cabelo e logo depois liguei para a Jane para avisá-la que já estávamos aqui e que a viagem havia transcorrido normalmente. Segunda-feira no final do dia, se Deus quiser, vou poder dar um abraço bem apertado e enchê-la de beijos e carinhos... Falei com minha filha também e ela está meio ruim da garganta...
                   Saímos para caminhar pela cidade; eu não consigo parar de olhar para cima, pois as fachadas dos prédios, são verdadeiras obras-primas da criatividade humana, cheias de detalhes maravilhosos... Fomos também ao cemitério que é um ponto turístico com guia e tudo!! Há mausoléus que são literalmente obras de arte; conheci o túmulo da Eva Perón (a Evita). Fui conhecer também o Museu de Belas Artes, onde não se paga nada para entrar. É um museu gigantesco, que possui obras de períodos bem antigos como estátuas e quadros; obras mais modernas e uma área com vasos e relíquias das civilizações Pré-Colombianas.
                   Depois de caminhar durante o dia inteiro, parando apenas para almoçar, ao pôr do sol eu já estava cansado e retornamos para o hotel para uma boa noite de sono após jantarmos e termos tomado um bom vinho...
                   Senhor Deus, abençoa a minha família; Pai de misericórdia, derrama tuas bênçãos sobre minha esposa amada, meu filho, minha filha e minha Anita... Abençoa também Pai eterno, minha mãe, minha sogra e todos os meus parentes mais próximos e os mais distantes também. Amém.
 

FIM DO DIÁRIO DE BORDO


ALGUMAS FOTOS:















 
MAPA DA ARGENTINA E CHILE
 
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                  

2 comentários:

  1. Oi Julio César. Eu me chamo Douglas sou surdo. Eu gostei seu foto viagem muito maravilha em Chui RS.

    ResponderExcluir
  2. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir